Entrevista: Padre Jorge Guarda

O Natal, entre a espiritualidade e o “fogo de artifício”

A poucos dias da celebração do Dia de Natal, o Padre Jorge Guarda, pároco de Nossa Senhora da Piedade e administrador paroquial da Gondemaria, concedeu uma entrevista ao Jornal Notícias de Ourém, em que abordou as diferentes dimensões das comemorações natalícias. Invocou a importância de “resgatar a espiritualidade” da época. De parar e silenciar. De acolher e abraçar com generosidade. Sem hipocrisia. Sem “fogo de artifício”.

por, CARLA PAIXÃO

Um apelo para silenciarem, meditarem e pensarem um bocadinho. Deixem-se imbuir pelo espírito de Natal e transportem esse espírito para as vossas vivências. Sejam generosos, tentem reatar relações, curem feridas passadas, para que o Natal seja realmente de paz em si próprio, mas também, na relação com os outros. (Pe. Jorge Guarda)

O Papa Francisco, no dia 1 de dezembro, assinalou no Vaticano, o início do Advento, convidando os católicos a viver o tempo de preparação para o Natal com o “coração leve”. Quer contextualizar este convite do Santo Padre?

Sim, essa expressão do Papa tem um contexto. No primeiro domingo de Advento, no Evangelho, Jesus convida os fiéis a levantar a cabeça no meio de turbulências, conflitos, ameaças, catástrofes, essas coisas todas, que podem apertar o coração, tornar o coração pesado pela angústia, pelo desânimo. Porque a sua libertação está próxima. Portanto, é esse convite. Hoje, também temos motivos para ter o coração pesado, temos motivos para o desânimo e para o desalento. Obviamente que, neste contexto, as celebrações natalícias, podem ter contrastes.

Como é que se vive o Natal de “coração leve” num mundo ensombrado por conflitos e guerras?

O que nos pode permitir isso é a fé e a espiritualidade. A fé, porque Jesus convida a levantar a cabeça, isto é, a ver mais longe do que simplesmente aquilo que nos faz pesar o coração. Diria até, ver mais profundo. Porque, para além destes aspetos negativos, há muitos outros que tornam o mundo belo e que nos dão esperança. A fé em Deus concede à humanidade, aos homens e às mulheres, força e sabedoria para conduzirem este mundo e ultrapassarem todos esses desafios. Mesmo que seja depois de muitos desencontros.

Falou também na espiritualidade…

Sim, porque a espiritualidade constitui essa tal leveza que nos b permite, mesmo com o coração apertado, nunca nos deixarmos vencer e olharmos sempre mais alto, mais longe e mais profundo. Sempre com essa confiança em Deus. Foi esse mesmo Deus que veio à humanidade, com o anúncio de paz. E é esse Deus que celebramos no Natal.

Neste cenário, pouco pacífico, que sentido pode ser dado às celebrações natalícias?

Podemos celebrar o Natal simplesmente como uma espécie de fogo de artifício. Sobe, encanta, deslumbra, mas apaga-se depressa. Fogo de artifício, prendas, movimento, ceias, almoços e outras coisas. Tudo isso e uma grande aparência de cordialidade, de fraternidade. Com a ideia de que toda a gente vai bem, como se estivéssemos no melhor dos mundos.

Fantasiando…

Sim. Mas, esse encanto passa no dia seguinte. Se quisermos, podemos vivê-lo assim. Ou então, realmente, atingirmos aquilo que é essencial do Natal, a celebração do nascimento de Jesus. O aniversário de um Deus que se fez Homem, que encarnou, que assumiu a condição humana. E, como diz o profeta Ezequiel, capaz de arrancar os corações de pedra e substitui-los por corações de carne, onde cabe o amor, onde brota a esperança, onde arde, por assim dizer, o amor de Deus. Portanto, também podemos celebrar o Natal, focados no nascimento de Jesus, como a raiz de todas as coisas. Pode haver fogo de artifício, isso não está em causa. O importante, é não viver o Natal apenas como fogo de artifício e chegar mais além.

(Entrevista completa no Jornal Notícias de Ourém, edição de 20 de dezembro de 2024)