Cáritas 

Nos Novos Contos da Montanha, de Miguel Torga, há um texto que tem como título “Natal”. A personagem central é um pedinte “profissional”, que andava de terra em terra a mendigar a subsistência. A obra teve até uma adaptação ao cinema, num filme protagonizado por Nicolau Breyner. 

É o retrato de uma época, que felizmente parece ter sido superada. 

Nas minhas remotas memórias de infância há também um episódio que faz lembrar esse ambiente rural de extrema necessidade. Na falta de respostas estatais ou privadas daqueles tempos, as famílias em carência extrema iam de porta em porta pedir alguma coisa para comer. Lembro-me vagamente de também umas pessoas desconhecidas terem batido à nossa porta e de termos dado alguma coisa para aliviar aqueles forasteiros. 

É uma lembrança vaga, hoje já não vemos isso. Já não vemos o cenário nesses mesmos termos. 

Não significa que a pobreza acabou. Ao contrário do que por vezes ouvimos, hoje em dia não há oportunidades para todos, e é duvidoso pensar que só passa mal quem quer e quem não se dispõe a trabalhar. A realidade não é assim tão linear. Continua a haver pobreza e continua a haver vidas em caminhos difíceis de onde não se sai apenas por vontade. 

A sociedade está hoje em dia mais bem organizada e assegura algumas respostas para minimizar o sofrimento que resulta da falta de meios de subsistência. Mas é evidente que essas soluções continuam a ser insuficientes. Por isso, somos todos chamados regularmente à solidariedade por diversas instituições que tomaram a peito o alívio dos mais frágeis. Continuamente, o Banco Alimentar ou a Cáritas, entre outros, alertam-nos para a situação de quem está vulnerável. 

Decorre precisamente esta semana a campanha da Cáritas. Sendo uma instituição de base cristã, no próximo domingo os fiéis são especialmente convocados para serem generosos. Os fiéis, mas também todas as pessoas de boa vontade, mesmo aqueles que não se movimentam nos contextos da religião. 

É necessário ir contra uma certa corrente que promove o isolamento, o egoísmo de estar contra, de desconfiar dos outros, de achar sempre que a necessidade é fingida, ou que o pouco que dispensamos nos vai fazer falta. Há nos dias de hoje uma tentação grande de se encerrar em si mesmos. Ouvimos falar contra os estrangeiros, porque tiram os empregos; contra os apoios sociais, porque favorecem os inúteis; contra os sem-abrigo, porque dão um aspeto degradado às cidades. Uma tentativa de ataque a quem já é mais frágil. 

Felizmente continua a haver quem se disponha a partilhar o que tem, ou a dispensar voluntariamente parte do seu tempo, para tornar menos difícil os dias de quem vive privado do essencial. 

Segundo o relatório anual da Cáritas sobre “Pobreza e exclusão social em Portugal”, com números do ano anterior, “cerca de 460 mil pessoas vivem em condição de privação material e social severa, 266 mil não têm acesso a uma alimentação adequada e cerca de um milhão de portugueses não conseguem dispor de uma pequena quantia para gastos pessoais”. Quase dois milhões, no total, vivem diariamente no limite e a isso não podemos ser indiferentes. 

Mesmo que a figura do Garrinchas, retratado por Miguel Torga, já não seja uma realidade habitual, continua a fazer falta diariamente a muita gente a distribuição de comida, de agasalho e de um espaço para descansar. 

É sempre tempo de ser solidário, mas em especial nesta semana, para apoiar a Cáritas.