UMA LUTA ENTRE A MEMÓRIA E O PROGRESSO

DE ZONA HISTÓRICA A SUPERMERCADO

O que resta do quarteirão Tenente Moreira Lopes

Por MVR 

No triângulo formado pela Avenida D. Nuno Álvares Pereira, a Rua dos Combatentes da Grande Guerra e a Rua Tenente Moreira Lopes — nome atribuído em 23 de Outubro de 1953 — erguer-se-á em breve mais uma grande superfície comercial: um supermercado Pingo Doce. Junta-se à concorrência já instalada na região: o português Continente, o francês Intermarché, e os alemães Lidl e Aldi. Todos sucedem, no tempo, ao antigo Ulmar.

A modernidade avança. Mas debaixo do alcatrão novo repousa uma história antiga, marcada por nomes que moldaram o território — como o do próprio Tenente-Coronel Mariano Moreira Lopes.

QUEM FOI O TENENTE MOREIRA LOPES 

A sua fotografia, datada da década de 1910, mostra-o então como alferes. Participou na Primeira Guerra Mundial (1914–1918), como comandante de Regimento de Infantaria integrado no Corpo Expedicionário Português. Foi em 9 de Abril de 1918, na Flandres, que travou batalha contra as tropas alemãs, sendo feito prisioneiro e evacuado com ferimentos, na sangrenta Batalha de La Lys. 

O contingente português, treinado e equipado pelos ingleses, reorganizou-se depois em três batalhões na retaguarda e, ao lado das forças britânicas, contribuiu para a vitória final e para o armistício. 

Na vida política, Moreira Lopes foi figura activa nos conturbados anos da Primeira República e participou em diversos golpes de Estado, entre os quais o de 28 de Maio de 1926, que abriu caminho à ascensão de Salazar. Foi ajudante de campo do General Gomes da Costa, em Braga, e desempenhou vários cargos relevantes. Das muitas condecorações que recebeu, destacam-se o grau de Cavaleiro da Ordem Militar de Avis (5 de Outubro de 1928) e de Cavaleiro da Ordem da Torre e Espada (30 de Junho de 1939). 

A ligação a Ourém não foi apenas nominal. Moreira Lopes teve papel activo na fundação do Asilo para Idosos de Santo Agostinho, inaugurado a 20 de Janeiro de 1946 em terreno cedido pelo Dr. Agostinho Albano de Almeida. No mesmo ano, integrou a comitiva que assinalou o local destinado à futura Casa da Criança, em terreno oferecido pelo Dr. Joaquim Francisco Alves, terminando com um almoço oficial na sua residência. 

Natural de Alcântara (Lisboa), era filho de Júlio Vieira Lopes e de Mariana Adelaide Moreira Lopes, falecida em 1942. Foi irmão da Dra. Branca Zita Moreira Lopes de Seabra (1897–1987), cujo nome perdura numa rua de Penigardos. Moreira Lopes faleceu em Lisboa, a 17 de Março de 1962, e foi sepultado no Cemitério dos Prazeres, da mesma cidade. 

Este espaço, onde decorrem agora as obras do novo supermercado, carrega décadas de memória e vida local. Em tempos, foi ali o engenho e o lagar de azeite, autorizado ao uso de seiras desde 17 de Abril de 1948. Na esquina, existiu durante mais de 50 anos uma taberna de cancela dupla “à faroeste” que se encontrava fechada, há alguns anos e que, recentemente, foi demolida, na sequência das obras. O edifício de canto com a Avenida foi, interiormente, alterado para outros fins: ali funcionaram uma escola de dactilografia e uma empresa de contabilidade. 

AQUELA PARTE DA HISTÓRIA QUE FICA NA NOSSA MEMÓRIA COLECTIVA 

RESTAURAR O ANTIGO É RESPEITAR OS VALORES DO PASSADO 

Curiosamente, o edifício brasonado onde viveu o próprio Tenente-Coronel Moreira Lopes parece ter escapado às obras — por agora. Foi, recentemente, posto à venda. Seria mais que justo que fosse restaurado e respeitada a sua traça original. 

Ao contrário disso, muitos outros edifícios, parte integrante da história local, caíram sob a frieza de uma demolição impiedosa. Foi esse o destino do quiosque do Sr. Baptista, do depósito de água, da Escola Conde Ferreira — onde tantos fizeram o exame da 4.ª classe —, do antigo cinema, e do edifício apalaçado com ameias, também ele apagado do mapa. 

Aplaudimos, é certo, a reabilitação do antigo Colégio Fernão Lopes, para sede da Biblioteca Municipal — um uso nobre, com espaço, destaque e localização merecidos. Nota positiva para a actual gestão da câmara, que tem promovido requalificações públicas, com bom acolhimento popular. 

E é assim que se vai fazendo cidade. Entre o que se constrói e o que se apaga. Entre os nomes que ficam nas placas das ruas e os prédios que desaparecem no pó das escavadoras, numa luta dinâmica, entre a memória e o progresso.