Eleições… e agora?
A noite de eleições foi de choque para toda a esquerda política. Não foi só um Partido Socialista em completa derrocada, a chorar sobre as ruínas, ou um Bloco de Esquerda que escapou por um triz a repetir o destino do CDS/PP que há uns anos saiu do Parlamento e só lá voltou na forma de troféu exibido nos salões do PSD (sem ser na coligação, é evidente que o CDS continuaria fora da Assembleia da República). Mas também o PCP, porque continua a perder representação e votos, e principalmente por ver a mancha geográfica que há décadas dominava a virar 180 graus da esquerda mais extrema para a direita mais radical.
Aqui perto de nós, Marinha Grande e Nazaré, “bastiões de esquerda” como se costumava dizer, fizeram essa inversão total.
Há algum problema com isso? Estamos em democracia, a vontade do povo é soberana, afinal de contas. Bom, há um problema sim, para esses partidos de esquerda. Mas acho que o grande problema não é propriamente o resultado eleitoral, o problema é o que causou esse resultado eleitoral. Muito se tem falado e escrito sobre “como chegámos aqui”, mas as respostas simplistas provavelmente são insuficientes.
Fiz uma pequena experiência pedagógica, cívica e sociológica com alguns jovens da minha escola. (Dizem que as novas gerações não se interessam por política? Errado, até gostam muito de falar desse tema.) Perguntei-lhes uma opinião: porque é que as pessoas votam Chega? Não houve nenhuma surpresa, os argumentos são os que correm nas redes sociais. O mais ridículo deles é, provavelmente, aquele de serem contra os estrangeiros ilegais a viver à boa vida, à custa de subsídios do estado. É necessário acabar com isso! Mas… então e a lógica? Se estão ilegais, como é que se iam candidatar aos subsídios? Isso não existe. Não será necessário acabar com um problema que não existe. A evidente falta de lógica e a falta de credibilidade da argumentação, no entanto, não lhe retira força. Este e outros argumentos equivalente fazem mil voltas ao mundo das redes sociais, ganhando força a cada volta. A verdade passa a ser irrelevante. Verdade ou mentira é tudo igual. Aqui se resume o conceito de “bandalheira”.
De qualquer forma, podemos tentar olhar para os resultados a partir do nosso caso concreto, o concelho de Ourém. Há uns anos o PS venceu a Câmara, agora chegou a uma expressão reduzidíssima de terceira linha, com menos de metade da votação do segundo partido. Porquê? Basicamente, tanto em Ourém como no resto do país, o PS fechou-se no seu círculo, tratou da vidinha de quem o tomou de assalto, esqueceu a missão que lhe tinha sido confiada.
Os votos de quem se sentiu traído necessariamente voaram para outras paragens. A maior parte seguiu para o PSD, o partido “irmão”. Um voo curto e em segurança. Metade dos deputados que o PS perdeu instalaram-se em casa dos vizinhos do centro direito.
Depois, há aqueles três partidos que ainda não tiveram oportunidade de trair os seus eleitores e, porque ainda não tiveram essa oportunidade, foram tomados como refúgio, provavelmente provisório. À esquerda é o Livre, que recolheu os desapontados do Bloco; à direita é a Iniciativa Liberal que acolheu muitos desencantados da antiga área do CDS e afins; e ainda mais à direita (ou nem à esquerda nem à direita, “fora do círculo” como os próprios dizem) o Chega, que recolhe todo desânimo de todo o lado dos que já não acreditam em nada. É o tal “partido de protesto” ou “antissistema”, o partido da “pós-verdade”, que quer acabar com o que há sem esconder muito o que quer colocar no lugar da demolição.
Não posso ficar tranquilo quando na noite eleitoral se pediu o regresso de Salazar (e da sua PIDE, dos campos de concentração, da censura). Não posso ficar tranquilo quando se impõe o fim da verdade para a substituir por argumentos falsificados.
Há algum problema com isso? Por mim há. Acabar com um sistema (eles chamam-lhe “bandalheira”) supõe que alguma coisa nova (ou reciclada) irá ocupar o seu lugar. Acabar com a democracia não me parece uma boa receita, porque eu sou muito curioso nos temas de História e tenho visto nos livros o que acompanha esse processo. Em regimes de direita, em regimes de esquerda, ou nos não alinhados, a suspensão da democracia tem sido sempre uma tragédia. O terror espalhado pela China de Mao Tsé Tung não é melhor do que o terror espalhado pelo Estado Islâmico, nem é melhor do que o espalhado no Chile Pinochet. Os exemplos são muitos, demasiados, e a lista vai muito para lá das triviais referências aos nazis da Alemanha de 1930.
A erradicação da verdade seria o fim de tudo. É isso que tem de nos deixar alerta.
JF