Corridas anti-horárias

Ana Freire

Parece que correr no sentido anti-horário, movimento que segue o sentido oposto ao do movimento dos ponteiros do relógio, é o mais indicado. 

Reza a história que, nos primeiros Jogos Olímpicos modernos realizados em Atenas, em 1896, as corridas de pista foram feitas no sentido horário à volta da pista. Após alguns atletas relatarem tensões musculares e dores nas articulações, as autoridades desportivas determinaram oficialmente, por volta de 1913, que os eventos de pista seriam realizados no sentido anti-horário, prática que se tornou padrão. Pessoalmente, a mim dói-me tudo, só de pensar em correr, seja num sentido ou no outro! 

Mas voltemos às corridas dos outros! Olhando as imagens de corridas de pista, confirmamos que, de facto, correm no sentido anti-horário. 

A ciência até pode oferecer algumas explicações para esta lógica e, uma vez que a rotação anti-horária aparece frequentemente na natureza, quase que podemos dizer que é o sentido natural: 

– De uma forma extremamente simplista, ignorando deliberadamente a mecânica quântica, vou afirmar que os eletrões orbitam em torno dos núcleos no sentido anti-horário (agora sim, todos os músculos cerebrais me doeram). 

– No contexto de astronomia, o termo anti-horário é usado para descrever o sentido em que os corpos celestes, como planetas, se movem em torno do Sol (movimento de translação) ou até mesmo o movimento de rotação dos planetas, em torno do próprio eixo. Os planetas do Sistema Solar movimentam-se numa trajetória elítica, no sentido anti-horário, excetuando Vénus e Úrano – o segundo e o sétimo planeta a contar do Sol – que rodam no sentido horário. Kepler (1571-1630), astrónomo alemão responsável pela elaboração das Leis do Movimento Planetário, demonstrou ainda que os planetas “varriam” áreas iguais em intervalos de tempos iguais. Mas fico-me por aqui nesta justificação quase científica. Kepler que me perdoe. 

Já agora, lembro-me de ver, em criança, um dos filmes de Alfred Hitchcock (1899-1980) em que a personagem principal verificou, intrigada, que o movimento da água, ao sair da banheira, se processava no sentido horário. Foi dessa forma que descobriu que estava numa terceira dimensão, lutando o resto do episódio para regressar à sua realidade! Eu, dotada de uma extrema ingenuidade própria da criança que era, associada a um enorme gosto pela ficção científica, fui a correr verificar se estava tudo bem lá por casa, se estávamos todos na dimensão “certa”. Só vi esse episódio uma vez… na altura tínhamos aqueles maravilhosos dois canais, pelo que todos víamos as mesmas coisas! Gostava de rever esse filme, mas nem o nome sei! 

Já agora, como trabalho de casa, verifiquem qual o sentido de circulação automóvel nas nossas rotundas!