SER “BONS VIZINHOS” COM OS IMIGRANTES
Por Padre Jorge Guarda
Na cidade de Ourém ou nas vilas e aldeias do concelho, encontramos com frequência imigrantes, nas ruas, nas lojas, nos trabalhos e noutros lugares. Também os temos nas igrejas: vêm rezar e celebrar connosco ou buscar ajuda. Há até párocos provenientes de outros países. Dados de 2021 revelam que residiam no concelho pessoas provenientes de 71 nações. A diversidade de línguas, culturas, trajes, costumes, convicções e práticas religiosas está, portanto bem evidente no nosso meio.
É de saudar, por isso, a iniciativa do Município de Ourém que promoveu, no passado fim-de-semana, o “festival de setembro”, na Vila Medieval, sob o tema “Co(m)fluências: imigração, encontro, criação”. Os visitantes puderam confrontar-se com a grande variedade de testemunhos de pessoas de múltiplos países que habitam no concelho. Artes, oficinas, exposições, teatro, cinema, concertos, conferências e gastronomia foram as expressões de diferentes culturas que se puderam encontrar, experimentando, escutando e saboreando os múltiplos bens que os imigrantes têm para dar a quem os acolhe. Eles mesmos se confrontam com o espaço, a história, as histórias, os hábitos, a cultura, a riqueza alimentar e outros bens do povo que os acolhe.
Tive ocasião de participar na abertura solene, ouvir música, participar num teatro, ver cartazes, ler textos, visitar exposições, saborear comida ucraniana e salgados asiáticos e outros. Foi uma experiência rica para abrir o coração e a mente aos outros, numa dimensão universal. Embora haja quem pareça contrariado, incomodado e amedrontado, na verdade, vivemos num mundo aberto e a circulação e encontro de pessoas de múltiplas origens culturais é cada vez maior, pelo que é preciso aprender a conviver nesta nova situação. Não podemos deixar-nos levar pelo medo do diferente, mas ousar com confiança o encontro e tentar a comunicação e a partilha. O festival foi uma ocasião para esta experiência.
Não é só no festival, obviamente, que isso acontece. É no dia a dia, sempre que nos cruzamos com imigrantes. Temos de nos lembrar que eles estão a viver agora algo semelhante ao que os nossos passaram e continua a passar na saga de emigração, em múltiplos países para onde foram em busca de melhores condições de vida. Quem veio para cá quer o mesmo que os nossos que partiram: melhorar as condições de vida. E, enquanto estão cá, contribuem para o desenvolvimento económico do nosso país, mas também para a sua transformação social, cultural e religiosa.
O fenómeno da imigração tem efeitos sobre a nossa sociedade, a curto, médio e longo prazo, à semelhança do que aconteceu noutras épocas e geografias da história. Não podemos temer as mudanças nem fingir que nada vai mudar. É preciso saber interagir, escutar, partilhar, integrar e confiar nos imigrantes. Nesse sentido vão as palavras que nos deixou o Papa Francisco na encíclica Fratelli Tutti: “Quando se acolhe com todo o coração a pessoa diferente, permite-se-lhe continuar a ser ela própria, enquanto se lhe dá a possibilidade dum novo desenvolvimento. (…) Para isso, precisamos de comunicar, descobrir as riquezas de cada um, valorizar aquilo que nos une e olhar as diferenças como possibilidades de crescimento no respeito por todos. Torna-se necessário um diálogo paciente e confiante, para que as pessoas, as famílias e as comunidades possam transmitir os valores da própria cultura e acolher o bem proveniente das experiências alheias” (FT 134).
Uma das exposições tinha por título “bons vizinhos” e a guia explicava que para alguns imigrantes isso significava ser família, ou seja, proximidade, encontro, diálogo, partilha, entreajuda entre nativos e estrangeiros. Uma outra exposição mostrava uma quantidade enorme de rostos de diferentes pessoas que sempre têm em comum o serem humanos, para além da cor da pele, da idade, da fisionomia, do sexo ou de qualquer outra característica que distinga. A nossa mesma condição humana é mais importante do que aquilo que nos distingue. A distinção só pode servir para nos enriquecer uns aos outros pela convivência e partilha de dons e talentos. Ousemos então tornar-nos “bons vizinhos” com os imigrantes que vivem ou trabalham ao nosso lado ou simplesmente com quem nos encontramos.
Não esqueçamos: pela humanidade comum, “todo o homem é meu irmão”. Assim nos devemos reconhecer e tratar uns aos outros, qualquer que seja o povo a que pertencemos.