Peregrinar é alargar o próprio horizonte espiritual
Por Padre Jorge Guarda
Na vida, deslocamo-nos muitas vezes e a variados locais, por necessidade, prazer, curiosidade, busca espiritual ou expressão e fortalecimento de fé. Sair da própria casa e ir pelo mundo enriquece-nos, pelo que vimos, ouvimos e vivemos. Confirma-o Santo Agostinho, que nos deixou esta frase carregada de sabedoria: O mundo é livro, e quem fica sentado em casa lê somente uma página.
Nesta semana, um grupo da paróquia de Nossa Senhora da Piedade fez uma peregrinação a Espanha, para visitar dois lugares emblemáticos da espiritualidade antiga e moderna: o Santuário de Monserrate, que este ano completa 1000 anos da fundação do mosteiro beneditino na ermida pré-existente dedicada a Santa Maria, e a basílica da Sagrada Família, em Barcelona, obra do arquiteto António Gaudí dedicada pelo Papa Bento XVI, em 2010.
Peregrinação é uma viagem por motivo espiritual ou religioso, qualquer que seja o meio usado. O ato de peregrinar simboliza a vida humana na terra como viagem em busca da pátria definitiva, o Céu. Desde a antiguidade e ao longo dos tempos, todas as religiões conhecem esta prática. A Bíblia é igualmente testemunha de deslocações inspiradas por Deus, para cumprir as suas palavras, ir em busca dele ou ao seu encontro. Os santuários, onde se crê estar mais próximo de Deus e dos seus santos, são os lugares normais para onde acorrem os peregrinos. Há, no entanto, outros locais, mesmo da natureza, que exercem uma atração semelhante e saciam a sede espiritual humana.
Não se confunda a viagem turística com a peregrinação, ainda que porventura se visitem os mesmos lugares. Na sua última mensagem aos jovens, a propósito da peregrinação jubilar deste ano de 2025, o Papa Francisco escreveu-lhes: “o que vos recomendo é o seguinte: não partam como meros turistas, mas como peregrinos. Isto é, que a vossa caminhada não seja apenas uma passagem pelos lugares da vida de forma superficial, sem captar a beleza do que encontrais, sem descobrir o sentido dos caminhos percorridos, captando só breves momentos, experiências fugazes registadas numa selfie. O turista faz isso. O peregrino, pelo contrário, mergulha de alma e coração nos lugares que encontra, fá-los falar, torna-os parte da sua busca de felicidade. A peregrinação jubilar quer, portanto, tornar-se o sinal do caminho interior que todos somos chamados a fazer para chegar ao destino final” (Mensagem para a XXXIX Jornada Mundial da Juventude, 24.11.2024).
Os lugares, edifícios, e obras de arte ou de devoção são sinais visíveis que nos ajudam a imaginar o invisível, o espiritual e o divino. O Papa Bento XVI, na homilia da dedicação da basílica da Sagrada Família, em Barcelona, considerou aquele tempo como “sinal visível do Deus invisível”, pondo em destaque o seu significado espiritual e cristão. Assim se exprimiu: “Esta obra de arte constitui um sinal visível do Deus invisível, a cuja glória se elevam estas torres, setas que indicam o Absoluto da luz e daquele que é a Luz, a Altura e a própria Beleza. Neste ambiente, Gaudí quis unir a inspiração que lhe chegava dos três grandes livros que o alimentavam como homem, como crente e como arquiteto: o livro da natureza, o livro da Sagrada Escritura e o livro da Liturgia. Assim, uniu a realidade do mundo e a história da salvação, tal como nos é narrada na Bíblia e atualizada na Liturgia. Introduziu pedras, árvores e vida humana no templo, para que toda a criação se transformasse em louvor divino, mas ao mesmo tempo tirou os retábulos, para pôr diante dos homens o mistério de Deus revelado no nascimento, na paixão, na morte e na ressurreição de Jesus Cristo. Deste modo, colaborou genialmente para a edificação da consciência humana ancorada no mundo, aberta a Deus, iluminada e santificada por Cristo. E realizou algo que é uma das tarefas mais importantes hoje: superar a rutura entre consciência humana e consciência cristã, entre existência neste mundo temporal e abertura a uma vida eterna, entre beleza das coisas e Deus como Beleza. Foi isto que realizou Antoni Gaudí, não
com palavras, mas com pedras, traços, planos e cumes. E a beleza é a grande necessidade do homem; constitui a raiz da qual brota o tronco da nossa paz e os frutos da nossa esperança. A beleza é também reveladora de Deus porque, como Ele, a obra bela é pura gratuidade, convida à liberdade e extirpa do egoísmo.” (Homilia na missa da dedicação do altar e da igreja da Sagrada Família, Barcelona, 7.11.2010).
Nesta “santa viagem”, entrelaçaram-se várias componentes: comunitária, histórica, cultural e religiosa. Os peregrinos, sendo membros da mesma paróquia e viajando juntos, fortaleceram o conhecimento mútuo e os laços que nos uniam. Contactaram e conheceram um povo diferente do seu. Visitaram lugares e santuários habitados por memórias de pessoas que viveram e deixaram um testemunho tangível de fé, em lugares e obras. Viram e admiraram obras de arte e outros testemunhos do génio e do talento de homens e mulheres.
Foram juntos. A convivência, amizade, paciência, abertura, partilha e entreajuda proporcionaram seguramente crescimento em humanidade e na fraternidade cristã, de modo que esta experiência venha depois a dar frutos na vida normal, potenciando a comunhão e a colaboração na comunidade cristã.