Recomeçar 

Por estes dias, assalta-me o espírito um poema de Miguel Torga sobre a necessidade de recomeçar constantemente. Sísifo, na mitologia grega, era um gigante que tinha recebido dos deuses um castigo eterno de transportar uma pedra enorme até ao cimo do monte e, ao chegar ao fim, a pedra sempre rolava pela encosta abaixo. E sempre tinha de recomeçar. 

O mito tem um sentido negativo, de punição eterna. Mas não é esse o sentido do poema, nem é esse o sentido que lhe dou neste momento. Pelo contrário, olhamos para cada recomeço como uma oportunidade, não um castigo. 

O jornal Notícias de Ourém está agora a recomeçar, sem angústia nem pressa, em liberdade. Continua igual, ao mesmo tempo que muda. Uma nova administração com novos projetos estimula-nos a fazer sempre melhor, a não descansar e a não querer só metade. Depois de completar as celebrações de noventa anos, o nosso jornal tenta renascer de alguma forma. 

É verdade que nunca alcançamos plenamente a meta e que é necessário a cada semana tentar novamente o melhor. Mas é essa a nossa loucura, são essas as nossas ilusões sucessivas. 

Entretanto, o mundo aguarda, num misto de ansiedade e esperança, a eleição de um novo Papa. Um novo recomeço para continuar a acreditar num mundo de maior harmonia. E aguarda sinais de Paz, uma nova oportunidade para reconstruir a solidariedade entre os povos. 

E preparamo-nos também para eleições, para um novo recomeço político, um novo governo. E assumimos a vontade de, com o nosso voto, ajudar o nosso país da avançar em direção ao futuro. 

E até nas vidas de cada um de nós há recomeços em cada dia. Não na frustração de Sísifo, mas no entusiasmo de fazer melhor. 

JF 

Sísifo 

Recomeça… 

Se puderes 

Sem angústia 

E sem pressa. 

E os passos que deres, 

Nesse caminho duro 

Do futuro 

Dá-os em liberdade. 

Enquanto não alcances 

Não descanses. 

De nenhum fruto queiras só metade. 

E, nunca saciado, 

Vai colhendo ilusões sucessivas no pomar. 

Sempre a sonhar e vendo 

O logro da aventura. 

És homem, não te esqueças! 

Só é tua a loucura 

Onde, com lucidez, te reconheças… 

(Miguel Torga, Diário XIII)