E quem emigrou sem querer?
Capítulo XII
Meu pai,
A Rita e a Emília partiram novamente para Lisboa. Setembro já terminou e só regressam no Natal.
Pus-me a arranjar a tua bicicleta e a da mãe. Arranjei a tua para dar uns passeios enquanto o frio não chega e arranjei a da mãe porque não faria sentido arranjar apenas a tua; e talvez porque ainda haja uma pequena esperança de ir dar uma grande volta de bicicleta com a Rita quando ela regressar.
Os dias são cada vez mais curtos e a penumbra ao fim da tarde maior. Sinto-me longe de casa, mas estou em casa: por vezes, é como se não soubesse bem onde pertenço. Sinto-me náufrago da vida, mas também sei que muitas vezes essa sensação nasce do peso que a noite solitária exerce sobre mim.
O Fernando e a Francisca lá me vão fazendo companhia, mas um jovem assim como eu perde-se muitas vezes nos caminhos sós que o campo me oferece. No outro dia deixei-me ficar no café da vila até fechar. Fui abordado por alguns homens que teriam a tua idade, velhos conhecidos teus, e alguns jovens. Houve até um pequeno grupo de rapazes e raparigas que me convidou para ir com eles a uma discoteca, mas eu disse-lhes que estava cansado. Não menti, mas também não disse inteiramente a verdade: o meu cansaço era outro. Era o cansaço da saudade, de passar o final do dia com a Rita.
Ao contrário de mim, que ando agora, conforme os dias mais pequenos, mais minguado, a casa parece mais viva do que nunca. A caldeira trabalha bem, a parte exterior tem as luzes necessárias e os portões estão finalmente automatizados. A parte boa do inverno nesta casa é o facto das telhas, pelo teu capricho de emigrante, serem negras e manterem o calor cá dentro. A Rita há de voltar para desfrutar dele também. Graças a ti, também eu o guardo, às vezes imagino-o como um abraço teu.
Do teu filho que mais nada te tem a dizer por agora,
Afonso