25 de Abril
Na minha terra não havia eletricidade em 1973, por isso o mundo chegava através do rádio de pilhas e de algumas cartas de quem andava por outros mundos. Os raros aparelhos de televisão funcionavam quando se ligava o gerador e nem sequer havia emissão contínua durante 24 horas em dúzias de canais.
A escola começava em outubro e foi nesse mês de 1973 que me iniciei na primeira classe da escola primária. Quando chegou a abril, a única novidade de relevo é que tinha mudado de professora a seguir ao Natal.
Com seis anos, a viver numa pequena aldeia isolada, a revolução foi para mim um evento longínquo. É verdade que havia músicas novas na rádio, algumas formas estranhas de vestir; os temas dos desenhos na escola passaram a incluir cravos e armas. Mas como estava a aprender a existir, toda essa novidade ocupava o lugar onde antes não tinha estado nada.
Para a geração de miúdos que éramos e para as gerações mais novas que a minha, o período da ditadura e todas as provações que lhe estiveram associadas são pouco mais do que um capítulo de um livro de história, um pouco distantes e alheias às nossas vidas. Os anos salazarentos são para as gerações mais novas como as invasões francesas ou a Primeira Guerra Mundial. Ou o tempo dos faraós.
E é isso que causa uma perturbação enorme a quem foi posto à prova naqueles anos de chumbo. Quem viveu na pele a perseguição não poderá nunca entender o olhar negligente com que se olha no presente para os apelos tentadores de regressar a regimes políticos musculados.
As novas gerações que acolhem hoje com indulgência as velhas ideologias e que acham inofensivos os novos profetas da pureza, precisam de regressar urgentemente ao 25 de Abril. Regressar, mas não numa romagem etnográfica a uma tradição superficial, não de entoar as canções certas, ou de usar os motivos florais de sempre, com os gestos e os slogans esvaziados de conteúdo. Precisam de regressar a um Abril profundo, entrar verdadeiramente no significado da perseguição, da desumanidade, para perceberem os caminhos que correm o risco de percorrer.
Em 50 anos, o 25 de Abril ganhou distância. O antes do 25 de Abril já não parece tão assustador. É por isso mesmo que é necessário manter os olhos bem abertos, para não sermos apanhados desprevenidos.